quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

DIFERENTE SIM...E DAÍ?

....Atualizado....


Eu gosto de azul e você de vermelho. Prefiro chocolate e você goiabada. Adoro dormir até tarde e você acorda com as galinhas. Sou incapaz de ler uma frase em inglês e você fala três línguas diferentes. Ok! Isso faz de nós diferentes. Sou mais alta, ou mais gorda, mais inteligente, menos atlética, destra e você canhota...E daí? Desde quando gostar de chocolate, não saber o que significa FTW ou a mão que eu escrevo, me define?
Concordamos até aqui? Que bom. Mas, e se eu disser que sou cega, ou surda, incapaz de andar, disléxica, autista, deprimida, superdotada....isso também faz de nós diferentes. Mas será que nos define? Qual a diferença entre limites e limitações?
Se eu não gosto de chocolate e você me convida para um lanche, com certeza providenciaria um bolo de fubá ou de coco. E não reclamaria disso e nem trataria como um grande inconveniente. Seria normal, um gesto de carinho com alguém que você convidou. E se você convidasse um cadeirante para ir a sua casa? Consideraria um grande inconveniente precisar providenciar rampas de acesso ou uma porta mais larga?
Em algum momento a diferença passa a ser deficiência e o que seria apenas um gesto de carinho ou uma adaptação vira um grande problema, um caso clínico, uma preocupação extrema. E o que eu não conheço ou não sei lidar vira um problema. Ignorância vira medo e daí para a agressão e a exclusão é só um passinho.
Ser diferente, fugir do padrão, da norma se torna um peso enorme, numa sociedade em que a eficiência é quase uma obrigação, em que a perfeição física é o modelo e em que sair do molde é um pecado mortal. No entanto, quem de nós não é imperfeito ou pouco eficiente em algo?
Ensinei meu filho desde muito cedo, que suas limitações não são limites, mas obstáculos apenas. E como tal devem ser vencidos. Também o ensinei que elas não o definem, não dizem quem ele é. Ele aprendeu a dizer psiquiatra, com a mesma naturalidade que diz ortopedista. Terapia, com a mesma cara que diz natação. Por que cada uma delas é parte de seu desenvolvimento, e não parte de sua vergonha.
Ontem e hoje, não pela primeira vez, eu me questionei se essa foi a melhor escolha. Se encarar de frente o preconceito é uma atitude verdadeira ou apenas uma atitude suicida. Respostas eu ainda não tenho, nem sei se as terei em um curto espaço de tempo. Talvez elas não cheguem nunca. Mas se elas não vierem, resta-me o consolo de ter feito aquilo que acreditei correto.
Enquanto pais e familiares trancarem suas crianças "diferentes" em casa, como se elas fossem uma vergonha ou um peso, elas continuarão a ser vistas dessa forma. Enquanto se aceitar o segregamento delas em escolas especiais, em classes diferentes, como se elas não fizessem parte da mesma sociedade que eu ou você, elas crescerão à parte.
Uma rua não é feita pra quem anda, mas deveria ser acessível a todos. Uma escola não é feita para algumas crianças, mas para todas, sem exceção. Por que elas crescem. E é na escola, assim como na vida, que elas aprendem a conviver e a respeitar as diferenças.


UPDATE: Para ler e Refletir...

“...E diferente, para mim, não é apenas
quem sai da chamada normalidade física.
Existem os interiormente diferentes
(poetas, pintores e músicos em geral).
Dizia eu que a carga de preconceitos vários
é tão grande, quando a diferença é de natureza física,
que ali se instala uma das maiores fontes
de sofrimento humano.

O diferente carrega desde cedo apelidos
e marcações, os quais acaba incorporando.

Só os diferentes mais fortes do que o mundo
se transformaram (e se transformam)
nos seus grandes modificadores.

Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente, antes mesmo dos demais
começarem a perceber.

Diferente é o que se emociona, enquanto
todos em torno agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco; chora onde
outros xingam; estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.
Os diferentes aí estão:
enfermos, paralíticos, anões, portadores
de síndrome de Down, machucados, engordados, anoréxicos, inteligentes em excesso,
bons demais para aquele cargo, excepcionais,
narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande,
de roupas erradas, cheios de espinhas,
de mumunha, de malícia ou de baba.
Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo Ser.

A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes
que eles guardam para os pouco capazes
de os sentir e entender.
Nessas moradas estão tesouros da ternura humana.

De que só os diferentes são capazes.

Jamais mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte
para suportá-lo (o amor) depois”.

Artur da Távola



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